Sistema de impostos da reforma tributária vai permitir cálculo do PIB diariamente
Fonte: Valor Econômico
A reforma tributária sobre o consumo abrirá caminho para que o Brasil possa
calcular diariamente seu Produto Interno Bruto (PIB), além de apurar com mais
rapidez outros indicadores relacionados à inflação, à atividade econômica e à
renda. Isso será possível porque a base de dados do Imposto e da Contribuição
sobre Bens e Serviços (IBS e CBS, respectivamente) vai reunir, pela primeira
vez, dados em tempo real sobre as vendas de produtos e serviços em todo o
país, numa base unificada dos três níveis de governo (federal, estadual e
municipal). Isso ocorrerá a partir de 2027.
“Teremos informações para calcular o PIB diário do Brasil - o [da economia]
formal, pelo menos”, disse ao Valor o secretário especial da Reforma Tributária
do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Isso não significa que o resultado
oficial deixará de ser calculado e divulgado pelo IBGE - será, na verdade, uma
ferramenta a mais do governo para acompanhar o ritmo da atividade
econômica, com o diferencial de não ter defasagem.
“Passaremos a ter uma estimativa muito precisa da economia formal, de todos
os bens e serviços que estão sendo vendidos e, portanto, comprados no Brasil
inteiro”, comentou Rodrigo Orair, diretor de programa da Secretaria
Extraordinária da Reforma Tributária (Sert). “Haverá um salto qualitativo com
a antecipação desses índices, e talvez isso permita melhorar políticas públicas.”
O sistema dos novos tributos terá uma estrutura 156 vezes maior do que a que
roda o Pix e vai processar 70 bilhões de documentos ao ano. O novo sistema
tributário entrará em fase de testes no dia 1º de janeiro, mas já há um piloto
sendo testado por um conjunto de empresas.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, os dados poderão ser um novo
elemento para auxiliar nas decisões sobre a política monetária, ou seja, sobre a
condução da taxa de juros necessária para controlar a inflação. Poderão ajudar
também a monitorar, de forma mais frequente e imediata, o impacto de políticas
públicas.
“Dados de alta frequência tentam antecipar para onde estão indo os indicadores
usados para antecipar a inflação, a atividade e a renda”, comentou José
Francisco de Lima Gonçalves, professor da Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo
(FEA/USP). “São os principais usados como determinantes da política
monetária esperada.”
Ele comenta ainda que as posições diárias do mercado para juros e câmbio
poderão ser afetadas pelos indicadores. “O Banco Central também vai usar tais
dados e incluí-los no diálogo com o mercado”, acredita.
“Vai ser um big data fiscal que possibilitará acompanhar a atividade econômica
de forma muito mais precisa e dinâmica”, diz Joelson Sampaio, professor da
Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP).
“Também trará mais transparência na questão tributária e facilitará a
identificação de fraudes.”
Os dados vão ajudar o governo na tomada de decisões e “possibilitar um uso
mais eficaz das políticas monetária e fiscal”, acrescenta. O desafio, na sua visão,
é garantir a segurança desses dados e evitar vazamentos.
Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergio
Gobetti diz que os dados das notas fiscais, após a reforma, permitirão monitorar
os quatro componentes do PIB: consumo das famílias, investimentos, consumo
do governo e exportações líquidas. O cálculo do PIB, explica, “não é uma coisa
tão simples” e depende de refinamentos feitos pelo IBGE. No entanto, será
possível acompanhar, a partir dos dados do IBS e CBS, o crescimento da
economia brasileira.
Ele concorda com os colegas em que os indicadores de alta frequência poderão
auxiliar nas decisões do Banco Central sobre taxas de juros. Hoje, a instituição
já calcula uma “prévia do PIB”, o Índice de Atividade Econômica do Banco
Central (IBC-Br), lembra.
A base de dados do IBS e CBS será melhor do que a do IBC-Br, o que permitirá
maior refinamento, acrescenta Orair.
Também será possível fazer estudos setoriais, diz o diretor. Por exemplo: se a
base de dados existisse durante a pandemia, poderia ser usada para verificar em
que locais a população estaria tendo dificuldades em comprar máscaras ou um
determinado medicamento. “Eu consigo ver estrangulamentos no sistema. É
um grande instrumento de conjuntura”, comenta.
O governo faz neste momento as primeiras discussões sobre os usos dessa nova
base de dados, afirma Orair. Já se sabe que ela será usada para elaborar a
avaliação quinquenal dos impactos do novo sistema de taxação do consumo.
“Na reforma tributária, tem a obrigatoriedade de avaliarmos se ela cumpriu seus
objetivos enquanto política econômica, social e ambiental”, diz. Esse
monitoramento poderá ser feito antes ou depois da entrada em vigor do novo
sistema. “O ideal é que a gente consiga, já no início, conseguir avaliar em tempo
real o andamento da reforma.”
Há duas décadas, o Brasil adotou o sistema de notas fiscais eletrônicas, o que o
colocou entre os mais avançados do mundo em termos de escrituração. A base
de dados do IBS e CBS avança em vários pontos nessa direção. “Seremos ainda
mais paradigma”, diz.
O primeiro ganho está na abrangência. As notas fiscais eletrônicas só registram
vendas de mercadorias. No sistema do IBS e CBS, diz, entram também as
vendas de serviços, que são parte relevante do PIB.
O segundo é que a base de dados será unificada. Hoje, as informações estão
organizadas em “caixinhas”, comentou. “Por exemplo, o município de São
Paulo tem a sua base de notas fiscais de serviços, e o Estado tem a sua, de
mercadorias.” Existe uma base no Rio Grande do Sul que agrega dados de
vários Estados, diz ele. O terceiro será a criação de um repositório único, que
poderá ser acessado por fiscais federais, estaduais e municipais.
“A reforma dá um salto tecnológico e de integração nas fontes de dados”,
afirma o diretor da Sert. Isso reflete uma característica do novo sistema de
taxação do consumo: União, Estados e municípios passam a ser “sócios” do
mesmo tributo. Embora haja dois, o IBS e a CBS, um não existe sem o outro.
Quando uma nota é emitida, ambos estarão registrados.
Do ponto de vista da fiscalização, a reforma trará um aparente paradoxo,
comenta Adriano Pereira Subirá, auditor fiscal da Receita Federal cedido à
Câmara dos Deputados, onde acompanha a reforma tributária. A reforma
aumentará a quantidade de informações disponíveis para a administração
tributária, mas a tendência é reduzir as operações de fiscalização.
“Haverá uma grande quantidade de informações à disposição das
administrações tributárias, gerando uma percepção de risco mais elevada para
os contribuintes e, com isso, desincentivando o descumprimento das
obrigações de emissão de documento fiscal, e de pagamento dos tributos”,
explica.
Além disso, a quantidade de obrigações acessórias (formulários) será bastante
reduzida e a apuração do imposto contará com um assistente, o que facilitará a
conformidade. É esperada ainda uma redução dos litígios. O governo estima
que os ganhos de receita decorrentes de menor sonegação, menos contestação
judicial e mais facilidade para recolher tributos reduzirão a alíquota da soma do
IBS e CBS em três pontos percentuais, em estimativa conservadora.
Em nota, a Receita Federal afirma que trabalha para construir um sistema que
“entregue a conformidade como serviço ao contribuinte”. “O auxílio no cálculo
correto dos tributos por meio da calculadora disponibilizada gratuitamente, que
poderá integrar-se ao sistema de emissão de documentos fiscais do contribuinte,
passando pela emissão de avisos automáticos ao se detectar um erro, assim
como pela apuração assistida, que reduz o custo de conformidade tributária, são
exemplos do que está por vir”, diz o Fisco.
Além disso, será adotado um modelo padrão da Nota Fiscal de Serviços
Eletrônica, que viabilizará a “apuração assistida, processo de consolidação
automática de débitos e créditos dos tributos IBS e CBS”, explica a Receita.